quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A história de Pedro, Leonardo e o pai


Contam que havia um pai com dois filhos: Leonardo e Pedro.

Desde cedo, ficou claro que havia um problema no relacionamento da família. Dizem que Pedro só comia porque alguns vizinhos lhe davam de comer. O pai mesmo, nunca se preocupou. Suas atenções estavam todas voltadas para Leonardo.

Pedro nunca ganhou uma roupa do pai. Todas que vestia eram doadas por quem se compadecia de sua situação. Por outro lado, Leonardo sempre usou roupas boas, capazes de fazê-lo sentir quente e confortável.

Quando perguntavam para o pai o motivo de deixar Pedro passar fome e frio, ele explicava que o tinha gerado para sofrer. Esse era seu destino. Já não era o caso de Leonardo: esse fora gerado para ser feliz.

Leonardo e Pedro cresciam. Leonardo sempre bem vestido e alimentado, enquanto Pedro amargava sua existência.

Certo dia, Leonardo disse para o pai:

- Pai, estou com fome.
- Poxa meu filho, vamos resolver isso agora mesmo! – respondeu o pai.

Foram até um restaurante onde Leonardo matou aquilo que o estava matando.

Na noite do mesmo dia, Pedro foi até o pai:

- Pai, estou com fome.
- Pedro, sinto muito. Gastei tudo o que tinha com o seu irmão – respondeu o pai, sem olhar o filho nos olhos.

Pedro foi dormir com fome.

Naquela mesma semana, numa conversa com o pai, Leonardo disse:

- Pai, preciso de um tênis novo.
- Claro! Vamos até o shopping comprar um e resolver esse problema – retrucou o pai, entusiasmado em presentear o filho.

Assim, foram no shopping e compraram um lindo par.

No mesmo dia, Pedro se dirigiu ao pai:

- Pai, ainda estou com fome. Faz quase uma semana que não como nada.
- Pedro, hoje usei meu dinheiro guardado para comprar um tênis para o seu irmão. Você terá que esperar mais um pouco para comer – respondeu o pai, que jogava bafo com Leonardo.

Mais uma vez, Pedro foi dormir com fome. Por sorte, no dia seguinte encontrou uma vizinha octogenária que lhe deu um prato de sopa.

Era assim que a vida da família de se desenrolava. Todos do bairro conheciam o relacionamento deles. Uns achavam estranho, pois Pedro era rejeitado pelo pai, que não dava a mínima para as suas necessidades básicas. Outros achavam normal, pois Pedro havia sido gerado para sofrer, portanto, seu destino estava se cumprindo.

Leonardo entrou na faculdade, enquanto Pedro nem terminou o primário. Ele não conseguia acompanhar as atividades da escola, pois vivia desnutrido.

Desistiu também de pedir comida ao pai, pois nunca tinha obtido sucesso, e, na última vez, o pai simplesmente o ignorou.

Pedro já não comia há quase um mês. Suas forças estavam acabando, tinha dificuldade até para manter os olhos abertos. Ouvindo o pai conversar com Leonardo enquanto assistiam televisão juntos, Pedro ouviu a conversa:

- Pai, estou precisando de um carro para ir até a faculdade. Os ônibus estão sempre cheios, e o metrô mais perto de caso fica a 3 Km daqui!
- Léo, fique em paz. Amanhã mesmo compraremos o seu carro. Você não terá mais transtorno para se locomover – respondeu o pai, sorrindo para o filho.

Naquela mesma noite, Pedro fugiu de casa, se arrastando pelo chão, debaixo dos olhos do pai, que parecia não notá-lo. Engatinhou por apenas alguns quilômetros até morrer. Seu corpo não suportou a falta de comida e se entregou.

No enterro, o pai não derramou uma lágrima. Num determinado momento, pediu a palavra:

- Pedro nasceu para sofrer. Foi para isso que o gerei. A sua miséria já estava determinada. Contudo, vejam o Leonardo: esse nasceu para vencer. O gerei para fazê-lo vitorioso.

Leonardo, convencido pelo discurso do pai, sorria, orgulhoso, com olhar de superioridade.

Alguns poucos repudiaram aquela família, mas, estranhamente, muitos outros passaram a adorá-la.

Os que adoraram, a partir daquele dia, passaram a chamar aquele pai de Deus. Passaram a acreditar que Leonardo fora eleito para salvação. Em contrapartida, passaram a acreditar que Pedro fora eleito para a danação.
Depois de algum tempo, começaram a dizer Leonardo tinha o favor do pai porque lhe oferecia sacrifícios, favores, e coisas afins, enquanto Pedro nunca havia lhe oferecido nada. A questão girava em torno do ego de Deus. Para outros, a questão era a determinação a priori de Deus a respeito do destino de seus filhos.

Muitas teorias surgiram para explicar essa história - que nunca foi bem contada. O que se sabe é que todos queriam ser Leonardo. Assim, agiam com superioridade e orgulho - se julgavam eleitos.

Pedro se tornou um assunto obsoleto, indesejado, incômodo.  Ninguém queria pensar sobre como Deus o tratava ou porque o havia gerado. A questão toda era a respeito de Leonardo e seu sucesso. 

Há quem acredite nessa história sobre Deus pai. Até hoje falam sobre ele, que gera uns para a salvação e outros para a danação. Que dá a um filho tudo do bom e do melhor, e simplesmente ignora a miséria do outro. Fazem orações dia e noite para que ele, o pai, os trate como tratou Leonardo - porque ninguém quer ser Pedro.

Mas alguns, como eu, não acreditam. Não aceitam a existência de um Deus pai impassível, que trata seus filhos de forma arbitrária. Pensamos que é uma falácia criada por seres humanos sem coração.

Lucas Lujan


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Sobre estar apaixonado

"Se a paixao fosse realmente um bálsamo
o mundo nao pareceria tao equivocado
te dou carinho, respeito e um afago
mas entenda, eu nao estou apaixonado
"
Renato Russo (Longe do Meu  Lado)

Eu cresci ouvindo a Legião Urbana, o Renato Russo é um dos compositores preferidos da minha mãe - ele disputa espaço com o Cazuza -  e eu herdei dela essa predileção.
Herdei da minha mãe também a mania de sempre associar um fato com uma música. No último fim de semana, conversando com uma amiga fiz isso e  lembrei da música que usei para abrir esse texto, por acaso uma das minhas preferidas. (Você pode ouvi-la aqui)
Adoro essa música porque acredito que todo mundo em algum momento da vida se sentiu assim, quis se livrar de toda a ilusão que uma paixão pode causar, quis viver sem os riscos e por consequência sem a emoção de estar apaixonado. Acho que essa música representa bem a forma que nos sentimos quando queremos nos tornar mais racionais, mais "pé no chão". Porque a paixão afeta nossa racionalidade, nos permite ver coisas que não existem e deixar de ver coisas que são óbvias.
Talvez a paixão seja um bálsamo, um remédio que alivia, que atenua alguns aspectos não da vida. Que nos permite, por um tempo, enxergar a vida mais leve.
Mas  paixão acaba. Sempre. É dessa dor do fim de uma paixão que o Renato Russo fala nessa música.
Não é a paixão em si que é ruim, mas a forma como, as vezes lidamos com ela. E principalmente com o seu fim. É esse fim, e a forma como lidamos com ele que arruína os corações.
Adoro essa música porque acredito que, de certa forma, é bom não querer estar apaixonado. Todo mundo se apaixona, das mais diversas formas, faz parte da vida. Mas não querer estar apaixonado, no meu ponto de vista, é não querer enxergar a realidade diferente do que ela é, não querer atenuar o sofrimento, não querer se iludir.
Sei que isso acontece, sei que a vida não vai respeitar essa minha vontade, mas prefiro o amor do que a paixão. Porque é característica do amor que "tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta" enfrentar a realidade como ela é, suportar a dor que ela causa e crer que existe uma forma de continuar caminhando através dela apesar do sofrimento.
Como o Renato Russo, não quero estar apaixonada. Mas quero amar sempre. E se pra isso for necessário me apaixonar, por quem e pelo que for, que seja. Só espero ter a possibilidade de transformar as paixões que valerem a pena em amor. E me livrar daquelas que não valerem a pena.